Seis anos após tiroteio que deixou 14 mortos em Milagres, julgamento ainda não tem data marcada

Foto: SVM

Com informações do G1 CE

A madrugada de 07 de dezembro de 2018 foi marcada por um confronto na cidade de Milagres, em que 14 pessoas foram mortas durante uma troca de tiros numa tentativa de assalto a bancos.

Horas antes, duas famílias saíam do aeroporto de Juazeiro do Norte com destino a Brejo Santo, no Ceará, e Serra Talhada, em Pernambuco. Mas na BR-116, a viagem foi interrompida. Os dois carros em que eles estavam foram rendidos por assaltantes. As vítimas serviriam de escudos para permitir o arrombamento de dois bancos. Era o começo da que ficou conhecida como a tragédia de Milagres.

Seis anos após o tiroteio, 16 réus ainda esperam pelo julgamento. Entre eles, 11 policiais militares e outras duas pessoas que devem ser julgadas por fraude processual, na tentativa de adulteração da cena do crime.

Os assaltantes sobreviventes também respondem a um processo criminal. Entre os crimes, latrocínio, cárcere privado, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e organização criminosa.

De acordo com a denúncia do Ministério Público do Ceará, na tarde do dia 06 de dezembro de 2018, 12 doze policiais do GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) foram convocados para participar da operação para coibir assaltos a bancos na Região do Cariri, na cidade de Milagres.

Naquela mesma tarde, os policiais se deslocaram em três viaturas descaracterizadas até o município, que já havia sido confirmado como alvo da ação criminosa. Lá, eles teriam realizado um levantamento de campo, onde planejaram as ações de prevenção dos crimes contra o patrimônio.

Por volta de meia-noite, o grupo de policiais se dividiu em três equipes, com quatro integrantes cada, que se posicionaram em locais previamente definidos, nas imediações das agências do Banco do Brasil e do Bradesco.

Era 02h15min do dia 07 de dezembro de 2018, quando os assaltantes chegaram às agências bancárias em duas caminhonetes e um carro de passeio, conduzindo 09 pessoas que haviam sido tomadas como reféns na rodovia BR-116, na altura da Ponte do Tamanduá, sentido Milagres/Brejo Santo. Com o início do assalto, houve também a troca de tiros.

Dois assaltantes foram os primeiros a morrer. Em seguida, mais um assaltante, e a primeira refém, a professora Francisca Edineide da Cruz. Mais dois assaltantes foram mortos em sequência, na lateral da Prefeitura de Milagres e na praça em frente.

Os cinco reféns que foram deixados pelos assaltantes numa calçada da rua José Esmeraldo da Silva foram mortos pelos policiais. Eram Cícero Tenório dos Santos, 60 anos, Claudineide Campos de Souza, 41 anos, Gustavo Tenório dos Santos, 13 anos, João Batista Campos Magalhães, 49 anos e Vinícius de Souza Magalhães 14 anos. Todos da mesma família, que seguiriam para Serra Talhada, em Pernambuco.

Para o Ministério Público, os policiais que atiraram nos reféns devem responder por homicídio.

"Homicídio por dolo eventual, eles não tinham a intenção de alvejar essas pessoas, mas o Ministério Público entendeu que da forma como a operação foi conduzida e por terem sido efetuados cerca de 30 disparos de fuzil no momento em que já não existia qualquer confronto entre assaltantes e policiais, o Ministério Público entendeu que em relação a essas vítimas, civis, os policiais agiram, parte deles, não são todos, com o chamado dolo eventual", explica o promotor Muriel Vasconcelos, que trabalhava na promotoria de Milagres na época dos crimes.

Ainda de acordo com a denúncia do MP, após o término do tiroreio, alguns policiais, auxiliados por terceiros, recolheram projéteis, moveram os cadáveres e apagaram imagens de um sistema de gravação instalado num estabelecimento comercial próximo, com o objetivo de induzir a erro os agentes da perícia forense que examinariam a cena do crime.

"Foi possível se constatar através de imagens de outras câmeras de segurança, que houve uma ação de outros agentes, no sentido de excluir, deletar imagens de câmeras de segurança que foram gravadas, instaladas próximas às agências bancárias onde ocorreram os assaltos. Além disso, foi possível verificar também que cápsulas que tinham sido deflagradas e que estavam ali, no local, próximas às vítimas, foram capturadas por algumas pessoas. E todo esse comportamento dificultou o trabalho da Perícia Forense. O Ministério Público denunciou essas pessoas por fraude processual", ressalta o promotor Muriel Vasconcelos.

Durante a investigação, teriam sido recuperadas imagens de câmeras de segurança das imediações da ação. Algumas revelaram que os tiros disparados pelos assaltantes em fuga, ocorreram 5 minutos antes do início dos tiros em direção ao banco Bradesco, onde estavam cinco reféns atrás de um poste.

Na investigação também foi constatado que o ex-secretário de segurança da cidade de Milagres, Georges Aubert dos Santos Freitas, chegou ao local após a ação criminosa e manteve contato com o ex-vice-prefeito da cidade, Abraão Sampaio de Lacerda. Estes, junto com outros policiais, teriam retirado os corpos das cinco vítimas que estavam atrás de um poste e levado ao hospital, com o objetivo de alterar a cena do crime. Na unidade, elas foram todas encaminhadas diretamente ao necrotério.

Ainda naquela manhã, após fuga de assaltantes, membros do Policiamento Ostensivo Geral - POG de Milagres e duas equipes do Comando Tático Rural – COTAR seguiram em diligências rumo ao Sítio Campo Agrícola, Zona Rural de Milagres, no sentido de localizar os foragidos.

Nesse local, dois fugitivos foram encontrados no interior de uma residência, onde um foi morto a tiros e o segundo preso numa viatura. Para o órgão ministerial, com o pretexto de identificar o local que serviu de base para a organização criminosa, o preso foi conduzido pelos policiais até o município do Barro, onde foi morto e levado ao hospital. E ainda no mesmo dia, policiais em busca dos fugitivos, localizaram mais um assaltante, que foi morto por uma equipe do Batalhão de Divisas.

O Estado do Ceará foi condenado a pagar R$ 300 mil de indenização à família de duas vítimas em maio de 2023.

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) informou na época que, na contestação, o Estado alegou a inexistência de responsabilidade civil, pois os policiais teriam agido no estrito cumprimento do dever legal; e sustentou o descabimento da reparação moral e da pensão mensal vitalícia. Por fim, defendeu o julgamento de improcedência do que pedido no processo.

A decisão judicial determinou que o Estado também terá de pagar pensão mensal de R$ 1.500,00 para o adolescente, que perdeu o pai e o irmão; e à viúva, que perdeu o marido e o filho.

“A responsabilidade do Estado, em caso de má prestação de serviço público, deve ser entendida como objetiva, sendo exigida a presença dos requisitos concernentes à conduta pública (omissiva ou comissiva), ao dano e ao nexo de causalidade entre ambos”, disse o relator do caso, desembargador Teodoro Silva Santos.

A defesa da autora ingressou com recurso para a majoração dos valores e a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça. De acordo com o TJ, o Estado do Ceará também recorreu e, em 28 de junho deste ano, os autos foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O processo está em grau de recurso em instância superior.

"Esses dois processos estão no Superior Tribunal de Justiça aguardando julgamento dos recursos aforados pelo Estado do Ceará, que ingressaram com recursos especiais, e encontram-se lá desde o segundo semestre deste ano, aguardando julgamento. E a expectativa é que ocorra o julgamento agora no início de 2025. Que é aguardado pela família, afim de manter as condenações que foram impostas no primeiro e segundo grau no Tribunal de Justiça do Ceará para que seja feita a justiça e a reparação pelos danos morais e materiais dessas famílias atingidas por esse malsinado incidente ocorrido com o falecimento de entes queridos", explica o advogado das duas famílias de Serra Talhada, Estefferson Nogueira.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Ceará informou que o processo conta com 16 réus e encontra-se em fase de recurso, com apelação na segunda instância. Disse ainda que as acusações não são iguais para todos os réus, uma vez que alguns deles respondem a crimes diferentes.

Em março deste ano, o juízo da vara única de Milagres pronunciou 13 réus a fim de que sejam submetidos a júri popular. Desse total, quatro ainda estão com prazo para apresentar a manifestação contra a sentença de pronúncia e somente após a conclusão de todos esses recursos, é que a justiça deverá marcar o julgamento para os réus que tiverem a sentença mantida.

A Controladoria Geral de Disciplina dos órgãos da Segurança Pública e Sistema Penitenciário, a CGD, informou que os processos administrativos instaurados ainda estão em tramitação.

Em nota, familiares das vítimas de Serra Talhada disseram também que, embora a justiça não tenha sido feita, encontraram consolo no amor divino e nas memórias dos entes queridos, e que desejam que o Estado do Ceará reconheça sua responsabilidade e trabalhe para garantir que tragédias como a deles não voltem a acontecer.

A Procuradoria-Geral do Estado informou que inicialmente foi feita uma tentativa de conciliação com os familiares, mas que não houve acordo. Com isso, a PGE-CE impetrou recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) se baseando em aspectos processuais e em decisões precedentes de Tribunais Superiores, atentando-se ao exercício de aplicação da lei em casos semelhantes. "O recurso, com absoluto respeito às famílias enlutadas, visa resguardar a conformidade jurídica desse caso em relação a outros já sentenciados", completa nota.

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